10 fevereiro 2007

MEYER FILHO, UM ARTISTA CATARINENSE



A matéria que vocês vão ler a seguir foi publicada no Jornal de Santa Catarina, edição de 14 e 15 de setembro de 1980, página 16. Texto de Carlos Damião, fotos de Rivaldo Souza (um dos grandes repórteres fotográficos catarinenses, morto prematuramente em 1989). O gancho para a reportagem foi o fim da crise de criatividade de Ernesto Meyer Filho, talentoso artista plástico de Santa Catarina, reconhecido nacional e internacionalmente pela originalidade de suas obras.
Passar uma tarde na casa dele, situada na Rua Altamiro Guimarães, a poucos metros do Campo da Liga (onde hoje está o Beiramar Shopping), foi uma experiência inesquecível, tanto para mim, quanto para o Rivaldo. Saímos de lá deslumbrados com o trabalho desse artista e, é evidente, com o incrível poder de comunicação de Meyer Filho, manezinho dos bons, inigualável inventor de histórias fantásticas – como sua viagem ao Planeta Marte, narrada ao radialista Manoel de Menezes e recontada no texto a seguir.
Meyer morreu em 1991.Cinco anos depois, publiquei o livro Meyer Filho: Vida & Obra (Editora da Fundação Catarinense de Cultura). A edição está esgotada. Nas imagens, de cima para baixo: este repórter entrevistando Meyer Filho e reprodução da página do JSC que publicou a matéria.

MEYER FILHO: um galo cósmico

Meyer Filho, depois de um intervalo de nove meses em sua produção, retorna à atividade artística com toda a sua força criativa, desenhando, redesenhando e pintando. Sua casa, à Rua Altamiro Guimarães, é uma eterna festa de fantásticos galos cósmicos, pendurados na varanda, e que fazem a alegria do próprio artista, dos vizinhos e dos passantes.
Foram longos nove meses sem criar absolutamente nada, a não ser pequenos rabiscos em placas de eucatex. Há uma semana, Meyer Filho retomou os trabalhos, pintando arduamente durante horas e restabelecendo seus contatos com o planeta Marte, do qual manteve-se praticamente afastado no período de ‘greve espontânea’.
Quem chega à sua casa tanto pode encontrá-lo regando sua pequena e bem-cuidada horta ou cuidando de seus pássaros, quanto encerrado no estúdio ou desenhando e pintando – para alegria dos vizinhos e passantes – na varanda da casa, no primeiro andar.
“Se eu sou pintor”, diz Meyer Filho, “eu tenho o direito de pintar e desenhar o que eu bem entendo e quando eu quero. Na minha vida, só fiz o que gostei – a única coisa que fiz na marra foi trabalhar durante 30 anos no Banco do Brasil, para ganhar a vida. O resto eu fiz por prazer”. Neste período em que trabalhou no banco, Meyer ter produzido cerca de 30 mil desenhos – 26 mil dos quais ele jogou fora. Isso, segundo ele, daria uma produção média diária de três desenhos, rabiscados no verso de cheques, talões de depósitos, fichas e outros papéis utilizados em sua atividade bancária.
“Quando eu tinha cinco anos de Banco do Brasil e 27 de idade, descobri que meu negócio era a arte. A partir daí, passei a encarar o banco – que eu adoro, mas que tem uma raiva desgraçada de mim – como um meio de eu me tornar um grande artista e cuidar da minha família”. De fato, se tivesse intenção de seguir carreira, Meyer poderia, hoje, exercer altos cargos na administração do banco. “Alguns coleguinhas meus, que entraram depois de mim, hoje são ministros de Estado (caso de Ernani Galveas) ou diretores de bancos (casos de Osvaldo Colin, presidente do Banco do Brasil, e Elmar Heineck, diretor do Besc)”. Meyer Filho aposentou-se no dia 2 de julho de 1971, pelo INPS, “para ser pura e simplesmente pintor”. Não guarda mágoas destes 30 anos de trabalho, mas diz que “ex-coleguinhas hoje fazem questão de não reconhecer o pintor e a arte”.

PIONEIRO

Sua técnica é diversificada, mas, “como todo artista, costumo desenhar primeiro, para pintar depois”. Dispensa elementos acessórios para a criação e mostra a inutilidade de uma série de quadros em que procurou aproveitar conchas de mar mescladas com a pintura, na composição de galos. Como as conchas, coladas, não ficaram fixas, ele diz que prefere pintar e desenhar, “porque desenho e pintura não caem do quadro. E eu tenho necessidade de utilizar outros elementos para mostrar que sou criador. A minha arte existe para ficar. Se eu morrer e virar pó, a arte que eu produzi vai perdurar. Por isso, prefiro o desenho e a pintura”.
Galos ele pinta há muitos anos e estão presentes nos primeiros desenhos, inclusive da década de 1920, coletados por sua mãe e conservados pela família. “Mas eu pinto galos porque o galo é um símbolo universal da arte. E, modéstia à parte, é o símbolo do pintor Meyer Filho”. Explica que, em Portugal, existem sete milhões de habitantes e que cada casa conserva em seu interior, seja na parede ou em forma de estatueta, um galo. “Não tem turista que vá a Portugal e não traga um galinho de lembrança. Além do mais, o galo é um símbolo nacional informal da França. Está presente no peito de tudo quanto é jogador da seleção francesa”.
Meyer não cria apenas galos: trabalha também com a paisagem do interior da Ilha, “recriando-a, porque eu não sou inventor. Dou à paisagem um sentido mágico, já que a nossa Ilha de Santa Catarina é fantástica e pode me fornecer muitos elementos. Então, eu procuro esse sentido fantástico e surrealista para a pintura da minha paisagem”. Meyer diz que foi o primeiro pintor fantástico-surrealista do Sul do Brasil, “e quem achar que eu estou errado que diga, porque eu darei um belo quadro de presente se conseguir provar o contrário”.

MAIS APOIO

A arte de Santa Catarina ele considera tão boa quanto a de qualquer outra parte do Brasil. “Agora, se o governo patrocinasse, nós poderíamos fazer muito sucesso em todo o país. Nós temos que acabar com essa palhaçada de que o sujeito, para ser artista, tem que ser carioca, paulista ou mineiro. Está faltando apoio do Governo do Estado para que a gente possa realizar uma exposição fora daqui e mostrar que a nossa arte tem tanto valor quanto a que se faz no resto deste Brasil”. Meyer lamenta também que a arte não seja popular no País, “porque o brasileiro, de modo geral, passa fome, é subdesenvolvido e, por isso, tem horror à arte”.

POLÍTICA E RELIGIÃO

Meyer Filho considera-se politicamente neutro, pois rejeita a esquerda – “que me massacrou anos a fio” – a direita e o centro. “Os poderosos não me dão o apoio que eu mereço e, da esquerda, eu só recebo censura. Fui massacrado porque os caras achavam que eu era um gabola, que eu me promovia, que eu devia ser modesto. Então eu digo: há um erro muito grande nosso século. Todos pensam que nós vivemos no século da bomba atômica. Isso é uma mentira: nós vivemos o século da propaganda”.
“A bomba atômica é uma estupidez”, diz Meyer Filho, “e não passa de uma intimidação política. Será que eu estou errado?”. Ele acha que a bomba jamais seria usada porque “a humanidade é imbecil e muito burra, mas não imbecil e burra para se autodestruir. A bomba é igual à polícia, à igreja e à religião: serve para amedrontar o cidadão”.
Meyer se confessa religioso, diz que já foi católico e ateu e hoje é um espírita à sua maneira. “A religião é uma coisa necessária porque o mundo é tão estúpido que se você só olhar o lado material acaba entrando numa fossa desgraçada, pensando: pô, mas como é possível, só se pensar em dinheiro, e em enriquecer, enquanto a maioria é miserável? E neste mundo de tecnocracia em que vivemos cada vez temos mais miseráveis e uma minoria de milionários que não trabalham. A vida é isso?”.

COMUNISMO

– Tem que haver política e religião. Tem que haver até o Partido Comunista, que é pra raça aprender. Uma vez o meu pai falou: o mundo atual tem dois campos – o comunismo e o capitalismo. Então, o nosso capitalismo é a moderna exploração do homem pelo homem; é o tal do capitalismo selvagem. Concordo com o que dizia o meu falecido pai, o senhor Ernesto Meyer. Ele disse que o comunismo é um mal necessário, porque os capitalistas exploram miseravelmente os pobres. Não é demagogia, porque eu não sou político, mas já imaginaste se não existisse o Partido Comunista pra brecar essa cambada?
– A polícia tem que existir, porque se não todas as manhãs veríamos centenas de pessoas amanhecerem em todas as esquinas com punhal nas costas e a boca cheia de formiga. Se a vida é o que é, uma roubalheira total, imagina se não existisse polícia e cadeia.

MARTE

Meyer Filho é cidadão honorário do Planeta Marte. Por isso, define-se como um “cidadão especial”. Para quem pensa que essa história é brincadeira, Meyer esbraveja: É verdade. Eu já estive umas 20 vezes lá. Inclusive nos bons tempos da Rádio Jornal A Verdade, há uns 18 anos, eu e o Manoel de Menezes falamos durante quatro horas e meia sobre nossas incríveis aventuras no Planeta Marte. Naquele tempo, Santa Catarina estava fora do mapa, do mundo e do Brasil. Nenhum jornal comentou uma linha sobre nossa viagem. Hoje, um idiota qualquer da Tailândia, da Venezuela ou sei lá de onde, ganha as primeiras páginas de todos os jornais do mundo porque diz que viu um disco voador. Nós não vimos – nós estivemos em Marte, e ninguém, além de Tijucas, tomou conhecimento da nossa fantástica aventura”.

GALOS ERÓTICOS

Assim vive Meyer Filho, em sua casa da Rua Altamiro Guimarães, rodeado de quadros, rabiscos e recortes de jornal. Fantástico, cidadão do mundo, mítico, mago, louco, Meyer desenterra lentamente de seus arquivos desenhos feitos durante 30 anos de Banco do Brasil. De uma pasta, cuidadosamente escondida, ele tira outra pilha de desenhos – estes, vedados ao público infantil, que tanto aprecia seus galos cósmicos. São outros galos, desenhados a nanquim sobre papel chambril, carregados de forte dose de ‘erotismo cósmico’, estes desenhos mostram seus bichos ávidos de prazer, atacando mulheres idem. Por enquanto, o artista não pretende comercializar esta série de trabalhos eróticos (que ele chama de ‘sacanagens fantásticas’). Mas em breve poderá fazer uma exposição reservada a adultos – embora ache que os desenhos, diante da atual onde de liberalização, ‘já são coisas de jardim de infância’.

UM ROTEIRO DO ARTISTA

Nascido em Itajaí, em 4 de dezembro de 1919, Meyer Filho veio para Florianópolis com quatro anos de idade. Datam desta época seus primeiros rabiscos, conservados por sua família até hoje. Em 1941, entrou para o serviço público, através de concurso, e começou a trabalhar no Banco do Brasil, onde permaneceu até 1971, quando se aposentou.
Participou de cerca de cem exposições, entre individuais e coletivas, em praticamente todo o Brasil e no exterior. Possui obras nos principais museus de arte e em coleções particulares de todo o país e exterior (New York, Lisboa, Paris, Buenos Aires, Mar Del Plata, entre outras cidades). É considerado um dos grandes representantes da arte fantástico-surrealista brasileira, juntamente com outros dois catarinenses – Eli Heil e Franklin Cascaes.
Faz parte de sua atual fase de produção uma coleção de desenhos eróticos, que ele pretende reunir para uma futura exposição.

O QUE DIZEM OS CRÍTICOS

Theon Spanudis (revista Habitat) – Um surrealismo meio popular e sonhador e que não tem nada a ver com o surrealismo intelectualizado da maioria dos surrealistas. Senso de humor, o fantástico revelatório, o demoníaco ingênuo, tudo isso dentro de uma plasticidade densa, festiva, de beleza musical e dançante. As suas combinações cromáticas inesperadas, de extrema festividade e intensidade vibratória, o seu decorativismo festivo e inédito, fazem de sua obra um dos acontecimentos mais originais e festivos dentro do panorama atual das artes plásticas brasileiras.

Lindolf Bell – Meyer Filho apoderou-se dos mistérios criativos, misturando elementos da vegetação, do mundo animal, do universo submarino. Recria o folclore barriga-verde do Desterro, revestindo-o de linguagem própria, explosiva de cores, poética sempre. Seus galos, elevados à infinita possibilidade da cor e da forma, não encontram paralelos no desenho brasileiro. A constância dos temas não impede a constante reinvenção. Atestado de um domínio de seus instrumentos de trabalho, nunca sujeitos a modismos ou escolismos. Há quem atenda ao chamado mais profundo que as passageiras solicitações do fácil? Meyer Filho sabe disso. Seus desenhos são a sua própria justificativa.

Osmar Pisani – Com possibilidade infinita pelo domínio de uma técnica de requintes formais de extrema sensibilidade e riqueza, o poder criativo de Meyer Filho surpreende pela vitalidade e múltiplo colorido que emerge de seus galos, todos estranhos e de transcendente conotação surrealista.

4 comentários:

Maah disse...

meu meyer filho é o melhor artista catarinense eu amo sua obra de arte na escola eu estou fazendo uma obra sua!♥
BJOS
DE
MAYARA

MARIA ARTEIRA disse...

Como posso avaliar uma obra que quero venderdeste artista?
Eliane
nane_bs@hotmail.com

MARIA ARTEIRA disse...

Como posso avaliar uma obra que quero venderdeste artista?
Eliane
nane_bs@hotmail.com

MARIA ARTEIRA disse...

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Eliane
nane_bs@hotmail.com